DAS FRONTEIRAS:
mulheres, gestão quilombola e gestão escolar
no quilombo-ribeirinho de Alegre | Januária - MG

Autora: Profa. Ms. Gilmara Silva Souza
Orientadora: Profa. Dra. Shirley Aparecida de Miranda
Ano: 2015 a 2017

A partir do histórico e ativo processo de invisibilização e silenciamento sofrido pelas comunidades quilombolas, em decorrência de lógicas de opressão, como o racismo estrutural e institucional do Estado brasileiro, evidencia-se as lutas por reconhecimento e por acesso a direitos sociais, em especial pela educação básica, que estas comunidades empreendem.

Nesse processo de luta, as memórias são requisitadas e visitadas, as reflexões sobre as trajetórias de idas, vindas, retornos e trânsitos em outras terras (do presente e do passado) são conectadas ao processo de construção da identidade de quem se é.
Essa dissertação apresenta experiências e reflexões surgidas do encontro entre mulheres negras e quilombolas do norte de Minas Gerais e outra mulher negra, aqui pesquisadora e da capital. O objetivo deste trabalho foi compreender como o quilombo de Alegre, em Januária (MG), constrói os processos de gestão internos à comunidade e saber como estes se conectam à luta por reconhecimento junto ao poder público.

A partir de um percurso teórico-metodológico etnográfico, negro feminista, quilombola, acompanhado pelas epistemologias do Sul, foram analisados os funcionamentos das práticas de gestão comunitária realizadas por um grupo de mulheres da Associação Quilombola, e a relação dessa gestão com a experiência de gestão escolar presente no quilombo. Verificamos que o conjunto de práticas de gestão comunitária liderado pelas mulheres do quilombo faz funcionar a vida dentro da comunidade, a partir de três elementos: a participação coletiva e interessada das/dos demais quilombolas, a união para a realização de atividades em prol da coletividade, e o cuidado coletivo em diversas situações, como para não haver sobrecarga de atividades em uma pessoa, e para evitar o isolamento e precariedade material e simbólica na família vizinha.

Pelas práticas de gestão escolar observadas em campo, constatamos que a escola não trabalha contra a lógica da comunidade quilombola, ao contrário, em muitos momentos observamos o esforço de gestores e professoras para realizar o encontro entre os conhecimentos escolares e os comunitários. Nesse sentido, abre-se a possibilidade da gestão escolar quilombola, presente no quilombo, funcionar a partir de uma lógica de convivência. A gestão da convivência, que assim chamamos, diz da implicação coletiva para reconhecer a existência de outras lógicas e formas de gestão, para mediar divergências e ter abertura para aprender e ensinar junto à gestão da comunidade.

Palavras-chave: Gestão comunitária. Mulheres Quilombolas. Educação Escolar Quilombola.

Agradecimento,
pela compreensão da constituição espiralar do Tempo, da tecnologia de circularidade dentre outros princípios e valores de organização e convivência em sociedade desenvolvidas e atualizadas por comunidades negras afrodiaspóricas, eu agradeço ao Infinito que tudo rege, inclusive à mim, às oportunidades que Ele me dá de reencontrar e aprender com pessoas generosas, como minhas Mestras
> Bita - Rosimeire Alves de Souza, por ela eu sigo agradecendo toda comunidade de Alegre por me acolher e me nutrir em crescimento e,
> Dra. Cláudia Elizabete, por ela eu saúdo todas as minhas colegas e companheiras de pesquisa do programa Ações Afirmativas, Universidade de DH e SMED BH,
espero que essas contribuições prosperem nossos diálogos!
INTRODUÇÃO

CONHECENDO O QUILOMBO-RIBEIRINHO DE ALEGRE UM QUILOMBO RIBEIRINHO
Como foi minha chegada?

GESTÃO COMUNITÁRIA NO ALEGRE:
ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA E A EXPERIÊNCIA CRIATIVA DAS MULHERES
DO QUILOMBO - Grupo de Artesanato Arte Alegre
SOBRE AS MULHERES E A GESTÃO QUE FAZEM DO TERRITÓRIO



Do sorriso de Mailsa
Do olhar da Isabel
Da energia da Lucilene
Da elegância de Rosimeire, a Bita
A GESTÃO COMUNITÁRIA DO ALEGRE:
TECENDO CRIATIVAS
POSSIBILIDADES COM QUEM E COM O QUE ESTÁ DISPONÍVEL
DAS FRONTEIRAS DA GESTÃO

TRABALHANDO O BARRO
provocações iniciais sobre diferença e gestão educacional

A GESTÃO ESCOLAR DO E NO QUILOMBO
A escola do quilombo

Possibilidades e limites no contexto da gestão da escola do quilombo

APRENDIZAGENS NAS FRONTEIRAS DA GESTÃO ESCOLAR E COMUNITÁRIA: POR UMA GESTÃO DA CONVIVÊNCIA?
CONCLUSÕES
O quilombo-ribeirinho de Alegre (Brasil | América Latina)
é o ambiente de aprendizados sobre possibilidades de gestão comunitária e gestão escolar apresentadas no texto etnográfico que defendi em 2017.
O quilombo está localizado a 18 km de Januária – região norte de Minas Gerais, e a 620 km de Belo Horizonte.
Nasceu às margens do Rio São Francisco e permanece alimentado e se nutrindo por ele, mesmo depois das enchentes de 1980, quando as famílias migram 2km acima de suas margens, fazendo morada à beira de outras margens, agora da rodovia BR-135.

MAILSA RODRIGUES DA SILVA
#MÃE #GESTORA #APRENDIZ

Do seu SORRISO faço metáfora para falar de sua forma de contribuir na gestão do quilombo.
Cotidiano de mãe e trabalhadora doméstica. É ativa colaboradora nas atividades comunitárias da associação e responsável pela distribuição de leite para crianças assistidas pelo programa de aquisição de alimentos - PAA.
Nas épocas de colheita de mandioca ela se organiza com outras famílias para utilizar a casa de farinha próxima à sua moradia e assim arrendam a produção de tapioca e farinha.
Estudante da EJA à época.
Altiva e carinhosa mestra das artes de transformar um alimento em presente!
UM QUILOMBO CHAMADO ALEGRE
Autora: Rosimeire Alves
Ano: 2020

Vou contar para vocês
Um pouco da nossa história
Do caminho percorrido
Por nossas famílias quilombolas.

Dona Efigênia, veio da Bahia a pé
Trabalhou duro na estrada
chegando aqui, casou-se com senhor josé

Eles tiveram dois filhos:
Nila e Valdomiro
Criados com o suor da roça
Plantando mandioca, feijão e milho.

Sr. Eulino e Etelvina
Também aqui fizeram história
Doando os terrenos
Para a associação, praça e escola.

Outras famílias também
Escolheram, aqui para morar
Velho Cassimiro, José Martins
Também cultivaram esse lugar.

Sem esquecer de tantos outros
Não menos importantes
João Galvão, João Ferreira
João Prateiro e Semeão
Também têm raízes aqui
Cravadas nesse chão.

Francisco dente de ouro
Gasparino, João Tindoura...
Todos esses Citados
Trabalharam na lavoura!

A escola naquela época
Era na conceição
Todos íam a pé
Com dor no coração.

Na escola eram obrigados
A aprender o B-A-BA
Se errasse a pergunta
Palmatória ia levar.

Quando era para ter missa
Aqui, na comunidade
Era preciso buscar o padre
De cavalo na cidade.

O padre José Camilo
Percorria esse caminho
Quando era ele a celebrar
Vinha no seu próprio burrinho.

Aconteciam coisas ruins
Que não sai da nossa lembrança
O considerado mau de sete dias
Levou muitas crianças!

Alguns pais saíam,
Para São Paulo trabalhar
Usava o termo: Vou embora...
Sem perspectiva de voltar.

Apesar das dificuldades
Eram um povo unido
Sempre que alguém precisava
Reuniam-se os amigos.

Para os que precisavam
Um mutirão sempre era feito
Embarrear casa, limpar roça
Para tudo dava um jeito.

Há muitos anos na venda
As enchentes eram frequentes
Comia roças, desabrigava,
Derrubava a casa da gente.

Quando as águas baixavam
Tinha que recomeçar
Bater barro nas paredes
E a crise enfrentar;

Depois de um certo tempo
Tinha muita fartura
Não faltava peixe no rio
E no lameiro, feijão e verdura.

Cansados de tantas mudanças
De tanto recomeçar
Cada enchente que tinha
Menos pessoas voltavam para lá!

Das margens do rio também
Vieram muitas famílias
Sr. Leandro e Dona Dita
Sr. Geraldo e Dona Altina
Alexandre e Dona Ana
Joaquim Pinto e Otacília.

Hoje muitos que vieram
Voltam para lá todos os dias
Buscando seu próprio sustento
Através da pescaria.

A nossa comunidade
É uma junção de muita gente.
Da Venda, Ilha do Amargoso,
Cabana e lagoa de peixe.

Apesar de tempos duros,
Não podemos reclamar.
Temos momentos felizes,
E história para contar

As histórias no terreiro
Eram programas diários
Todos a luz do luar
Tinha o céu como cenário.

A memória do nosso povo
Faz parte da nossa essência
Quem não sabe de onde veio
Vive a vida sem referência.

O orgulho que temos do nosso povo
Em tamanho não se mede,
Aqui já foi Fazenda Cruz
Hoje é Comunidade Quilombola de Alegre.
Foto 1: Regina Pereira dos Santos, porta de sua casa à beira do Rio São Francisco, quilombo de Alegre, autora, janeiro de 2016.

O que é possível ver por essa fotografia? O que você consegue sentir através dela?

Veja. Do chão batido de terra amarelada brotam alguns galhos verdes que envolvem tocos de madeira marrom, secos e retorcidos pela secura do tempo. Acima de nós avança uma densa e robusta nuvem cinza trazendo consigo a promessa de chuvas para essa região que já viveu meses de invernada severa, há décadas atrás. Junto com a promessa dessas águas chegam também a esperança de uma farta roça a se plantar e se colher.
O milho, a abóbora, o feijão, a melancia, a mandioca e outros alimentos formam a cultura alimentar e laboral das/dos agricultoras/es desse lugar.
Cada alimento possui seu tempo e seu cuidado específico gerando, assim, conhecimento sobre aquela terra, aquele território, sobre as festas que eles oportunizam e as pessoas e os bichos que eles fortalecem.

O que é possível ver por essa fotografia? O que você consegue sentir através dela?
A jovem mulher negra da capital, aqui pesquisadora, observa a força dessa outra mulher, que é de um quilombo no campo, que é da beira de rio, do Rio São Francisco. Observa como seu corpo firme e forte, com expressão tímida e atenta ao que se passa nesse momento a acolhe, como se anunciasse um encontro entre tradutoras/es.
ISABEL E seu jeito de olhar as coisas
#GESTORA #CUIDADORA #AGRICULTORA #ARTISTA

Maria Isabel Moreno de Andrade, nasceu na comunidade em 1968 e se tornou mãe de 10 filhos. Antes dos 30 anos já era sócia na Associação, e durante a pesquisa, era vice-presidente da diretoria.

Sua atuação era direta com as famílias associadas. Ela auxiliava a produção dos eventos, buscando pessoas que pudessem dedicar horas e criatividade para executar as atividades necessárias. Ela também, fazia cobranças das taxas de manutenção dos projetos em execução da associação.

Isabel também é artista bordadeira. Por ocasião da entrega de um dos trabalhos tivemos o desprazer de conviver com uma professora racista que tentou humilhá-la. Naquele momento, toda forma atenta e acolhedora que ela desenvolve em seu jeito de contribuir com a gestão da comunidade foi pedagógico ao interditar a ação criminosa daquela mulher.

Isabel, zela e cuida!
ASSOCIÇÃO COMUNITÁRIA E A EXPERIÊNCIA CRIATIVA DAS MULHERES DO QUILOMBO

Associação dos Agricultores Familiares Quilombolas de Alegre
Criação: 1987
Certificação de Comunidade Quilombola - FCP: 2012

A atuação das mulheres na gestão e manutenção da associação é perceptível nas reuniões ordinárias e dialogada em outros momentos comunitários.
A presença masculina ocupa as lavouras na beira do rio, nas fazendas dos arredores, ou mais longe, em São Paulo e sul de Minas.

A associação cadastrava cerca de 200 associados ligados à 600 famílias da comunidade.
O Grupo de Artesanato ARTE ALEGRE realiza suas atividades na sede, sendo oficina e ateliê de moradas e moradores que compõem o grupo.
BORDADO E CERÂMICA: formas de fortalecer a convivência e a identidade quilombola a partir da arte, da memória e produção de novas histórias.
CASA DE FARINHA

A Casa é um emaranhado composto por diversas relações (de trabalho, de gênero, de
geração, e de colonialidade) que nos renderam um denso conjunto de dados.
Observei todo esse processo que surge na infância dessas mulheres e homens adultos ali presentes, e que se mantém ao se ensinar às crianças daquelas famílias os ritmos de produção de um alimento tão antigo e cotidiano.
Bem como, a dignidade compartilhada e valorizada ao trocar trabalho por comida,
como uma potente oportunidade de reinvenção da tradição de trabalhar na Casa de farinha, para
fortalecimento da identidade quilombola.
LUCILENE RODRIGUES DA SILVA,
#Vaqueira #Artista #Agricultora #Professora

Lucilene nasceu no Riacho da Cruz em 1981 é mãe de 3 filhos. Sempre teve gosto pelo trabalho. Todas as atividades lhe interessam desde pequenina. Muito habilidosa e enérgica, ela sempre está envolvida em diversas atividades:
> trabalho na e com a roça (cultiva e vende hortaliças);
> administração de sua casa e bar cultural onde promove cavalgadas e corrida de Argolinhas;
> ativa integrante das ações no Grupo de Artesanato Arte Alegre (não se vê coordenadora, pois não quer ver seu nome, "eu quero vê trabalho");
> atuante associada da Associação Comunitária;
> professora de cerâmica para crianças da escola estadual no quilombo - programa Tempo Integral.
Sua forma de contribuir com a gestão da comunidade é atuando direta construção e execução de ações culturais. Mangueando, ou seja, pulverizando as ações de arte, cultura e lazer pelo cotidiano do quilombo.

VITALIDADE CORAJOSA PARA SER QUEM SE É!

COSTUMES
Autora: Rosimeire Alves

Acordava-se cedinho
Para o dia aproveitar
O pai batia cana
E o milho tinha que ralar

Do caldo fazia a garapa
Do milho fazia o fubá
Pra depois fazer o cuscuz
E todos o “café” tomar

Quando amanhecia o dia
A mãe tinha que adivinhar
Umas bajes de feijão
Para os filhos alimentar

O serviço era dividido
Todos tinham que fazer
Apesar do chão batido
Dava gosto de se ver

Um filho ia pegar lenha
Um outro pegava água
O outro lavava louça
O outro cuidar da casa
Um outro filho também
Ia pra roça vigiar
Tanger as juritis
Para o milho não rancar

Relógio? Não se usava.
O sol que era o guia
Quando estava no centro do céu
Ja marcava meio-dia.

A mãe também tava na roça
O pai ia pescar
Se pegasse algum peixe
Com farinha ia trocar

O peixe que era trocado
Valor quase não tinha
Trocava-se uma fieira
Por um pouco de farinha

Trocava-se também
´por arroz, açúcar e sal
Vinha com uma mucutinha
Dentro de um imbornal

Depois de chegar do rio
O pai ia para a oleria,
Amassar o barro da telha
Pra cortar no outro dia

A telha era cortada
Espalhada no terreiro
Depois de seca era queimada
E vendida em milheiro.
A NOITE

Depois de todos cansados
De tanto brincar e correr
Sentava em volta da mãe
Para ouvir o que ela tinha a dizer

Contava sua trajetória
Sua história de vida
Da luta dos seus ancestrais
E das batalhas vencidas

Quando a lua tava bonita
Era sempre uma festa
Brincava de roda, jogar versos
Prolongava a conversa

Quando não tinha a luz da lua
Acendia-se a fogueira
Reunia-se os amigos
Embaixo da mangueira

Os mais velhos contavam causas
Os mais novos prestavam atenção
Aprendiam com respeito
Dos mais velhos a lição

Os pais tomavam benção
Ao dormir e ao acordar
Pediam a benção também
Quando iam em algum lugar

Autora: Rosimeire (2021)
ROSIMEIRE ALVES DE SOUZA,
BITA e sua elegância de gestão!
#LIDERANÇA #MÃE #PROFESSORA #PRESIDENTA #ARTISTA

Nasceu em São Paulo em 1977 e voltou com sua família dois anos depois para o Alegre. Foi criada na beira do rio, 5km da atual sede da comunidade. Bita é apelido de infância. Parou de estudar na 4a série, assim como Mailsa. A partir dos 16 anos trabalhou em casas de família e hospedarias em Januária e São Paulo. Casou-se aos 17 anos e voltou para a comunidade, atualmente é mãe de três filhos.
Após 10 anos voltou a estudar na EJA, prestou vestibular, passou, foi cotista e licenciou-se em Letras pela UNIMONTES. Foi professora designada na escola estadual dentro do quilombo e em 2018 foi efetivada como professora da rede estadual em uma escola do campo em outra comunidade.
É sócia da associação comunitária desde seus 18 anos. Desde então já participou de diversas gestões como tesoureira, fiscal, mas na ocasião ocupava pela primeira vez o cargo de presidenta.
Suas habilidades de liderança inclui
- estabelecer diálogo com secretarias municipais e agentes públicos como docentes universitários e pesquisadores;
- compartilhar tarefas incentivando a participação de todas/os;
- mediar conflitos a partir da noção embranquecedora estabelecida pelas igrejas evangélicas presentes na comunidade, quanto a afirmação da identidade negra e quilombola;
- formar associadas/os para compreensão e execução de trabalhos relativos às funções da diretoria da associação;
> Tudo isso de forma, bem diplomática, dialogada, firme = elegante!
A GESTÃO COMUNITÁRIA DO ALEGRE é dialogada, participativa e semeadora da união e solidariedade!

> Diante de situações conflituosas, essas mulheres demonstram uma assertividade resolutiva, ou seja, em situações de mediação de conflitos, de enfrentamentos coloniais, de possibilidades de fazer inúmeras coisas para a comunidade elas se orientam pela criatividade e pelo senso de justiça, que muitas vezes não recebem de outras pessoas em reciprocidade. Elas apresentam, cada uma, sua performance que é legítima e resolutiva para enfrentar os desafios cotidianos.
Pág. 72: Para realizar o trabalho de provocar uma reflexão antirracista, de valorizar a identidade quilombola, ela conta com uma grande parceria, a escola no quilombo. Ela sempre diz que esse processo não é um empreendimento que dá resultados da noite para o dia, necessita de tempo e muito acompanhamento para se construir outros rumos:
"Por isso eu acho que a escola é importante, porque você colocar na cabeça de uma criança é mais fácil. Você ensinar na escola, que negro é bonito, que não tem problema de ser negro, que quilombola não é macumba, ele já vai crescendo com a mente aberta... Agora depois de adulto é complicado. Porque você tá explicando... têm muitos que resiste! É difícil! Então tem que ser um trabalho procê ir falando todo dia, pra pessoa ir mudando o modo de pensar, aquele jeito restrito ali. Por isso eu falo em toda reunião. Porque a pessoa diz que não é, mas na hora do Bolsa permanência, do Bolsa escola, da Tarifa com desconto na conta de luz, da Merenda escolar que tem valor diferenciado... na hora do direito ele quer! Então ele tem que resolver a vida!"
(Entrevista narrativa com Rosimeire, novembro de 2016)
Quais são os pontos que confluem e mobilizam pessoas e suas energias para o trabalho na associação?
A partir do trabalho de campo e das reflexões teóricas que realizamos mapeamos os seguintes pontos:
● A responsabilidade de implicar-se com a comunidade no cotidiano;
● A relativa autonomia para resolver conflitos de forma inusitada;
● A forma precisa e altiva de enfrentar as opressões de raça, gênero e classe;
● O engajamento para ampliação do envolvimento e da participação das pessoas da
comunidade.
● A preocupação direta com a dinâmica das ações culturais (trabalhos, artesanatos,
festas, alimentação, práticas de lazer) e a pulverização deles no cotidiano da comunidade.
● O cultivo de habilidades como a humildade, a escuta e o controle da impulsividade
para ser uma boa liderança para a comunidade;
● A estratégia de envolver e compartilhar as responsabilidades e as ações a partir de
táticas que observam os interesses das pessoas e as direciona para as oportunidades adequadas
para a expressividade delas;
● A elegância na mediação de conflitos e a assertividade resolutiva dos problemas a
serem enfrentados a partir de uma criatividade e do senso de igualdade de racial, de gênero e
classe.
● A insistência para a descentralização do lugar da representação.
Esses pontos trançam e sustentam a coletividade do quilombo. Por eles identificamos os princípios de união, solidariedade e participação que orientam as formas de organização construídas e valorizadas na comunidade, ou seja, a gestão comunitária. Quem me deu as primeiras histórias para compreender esses princípios foi Tia Rosa (Alves Santana - 1942, primeira professora do quilombo!).

>>>Princípios da UNIÃO e da SOLIDARIEDADE <<<
Um porco era alimentado por diversas famílias durante seu engordamento, sua transformação em linguiça, banha e carne de lata após o abatimento torna-se fartura para toda comunidade.
"pois quando se matava um porco, se comia dele o ano todo. Ou seja, a lógica de retribuição exercitada pela vizinhança cuidava para manter uma base mínima de existência e variedade da alimentação. Essa prática se aproxima de um aprendizado compartilhado por Nego Bispo (2016). Em uma das lições que ele aprendeu com sua avó Mãe Joana compreendeu que: “feio não é pedir, é deixar alguém ter que pedir”.
> BEM VIVER - " O Bem Viver aceita e apóia maneiras distintas de viver, valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a plurinacionalidade e o pluralismo político. Diversidade que não justifica nem tolera a destruição da Natureza, tampouco a exploração dos seres humanos, sem a existência de grupos privilegiados à custa do trabalho e sacrifício dos outros (ACOSTA 2016, p. 240 in: LAUREANO, 2016, p.12).

>>>Princípio da PARTICIPAÇÃO <<<
Todas as pessoas têm o direito de participar de qualquer atividade, da maneira que puderem fazê-lo. Bita, por exemplo, identifica o que cada pessoa tem a oferecer e, sempre que possível e adequado, ela incentiva e orienta a pessoa para realizar aquela tarefa. Isso nos coloca uma pergunta: o que é possível ser feito com os recursos disponíveis?
Se afastando das ações de acumulação e retenção dos bens e atividades, a forma de gerir orquestrada por Bita, em sua habilidade de estabelecer vínculos e promover a convivência a partir da consideração das diferenças das pessoas, evidencia uma gestão que busca a proporcionalidade e o equilíbrio (FAVELA, 2014)
Mariana Favela ao acompanhar o trabalho do movimento de mulheres indígenas mesoamericanas reflete sobre a construção de vínculos de participação a partir da proporcionalidade, ou seja, a ideia central não é uma síntese dos contrários numa unidade, mas a abertura para a consideração dos ajustes que se dão quando se variam os elementos atrelados/amarrados pelo vínculo estabelecido.

TECER A TRAMA DA RESISTÊNCIA A PARTIR DOS FIOS DA EXISTÊNCIA.

Frente a una forma de pensar que expulsa la diferencia, se propone una
palabra que teje, porque en este cosmos caben pueblos, gente y colores que
comparten, gracias a que son diversos. El puente que los une, la trama que
los teje, es la dignidad [...]. (FAVELA, 2014, p.55)

El equilibrio es una disposición para alcanzar la armonía, disposición que reclama esfuerzos
porque la amenaza de desequilibrio siempre está presente. Es una trama en
tensión. ( FAVELA, 2014, p.44)
TECER A TRAMA DA RESISTÊNCIA A PARTIR DOS FIOS DA EXISTÊNCIA: por uma GESTÃO DA CONVIVÊNCIA

Diante do fato de que a gestão escolar é espaço de poucas emergências, como estabelecer novos campos de articulação e consulta entre escola e comunidade? Entendemos que sem as lógicas quilombolas para a organização da gestão, sem professoras/es quilombolas nas salas de aula, nas coordenações e diretorias das escolas quilombolas e sem a valorização da autoridade de
mestras/es dos saberes quilombolas fica inviável uma gestão escolar quilombola. Pois elas/es devem e precisam estar no processo de construção de quem elas/es são. Nesse sentido, nos parece fundamental, para a construção de uma gestão e escola quilombola a criação de algum mecanismo para que a escola seja majoritariamente composta por professoras/es e funcionárias/os
quilombolas. Isso possibilitará fazer algo a partir da lógica do quilombo que possa romper o sistema unívoco que compõem os modelos de gestão, além de conseguir ressonância na comunidade ao valorizar aquilo que é estimado e precioso para ela.

A dualidade escola quilombola/ associação da comunidade não implica em dualismos que se anulam ou hierarquizam (ou não deveriam implicar). Deveria implicar na mútua inclusão. Não é uma relação contraditória e sim complementar.

Na fronteira de cada forma de fazer gestão, muitos aprendizados se dão. Depois de reconhecer as formas e funções das atividades de gestão organizadas por mulheres da associação do Alegre, pelos princípios da união e da participação, nos colocamos a verificar as ausências e emergências nas práticas de gestão escolar. Verificamos que a forma de lidar com a burocracia e a atuação como liderança realizada pelo diretor são aspectos identificados como grandes aprendizados pela gestão comunitária das mulheres. Além disso, o esforço de ampliação do diálogo estabelecido pela escola, a partir das atividades de leitura e tradução das lógicas do quilombo para a lógica e o ambiente escolar é compreendido como válido, mas necessita de ajustes imediatos, principalmente, no que diz respeito ao rompimento das hierarquias cognitivas que impedem a convivência plena entre as pessoas, ou seja, sem produção e reprodução de
violências.

Na tentativa de responder o que seria uma gestão escolar quilombola, esta como uma gestão da diversidade, consideramos a possibilidade de uma gestão escolar da convivência O processo de implementação da educação escolar quilombola configuram-se pela dinâmica de aproximação com a territorialidade de cada comunidade, atravessa secretarias de educação, direções de escola e pode alcançar e dialogar os diversos grupos que compõem a organização interna dos quilombos. Assim, ela transcende os tempos e espaços formais da escola, e participa do cotidiano e dos problemas da comunidade. Mesmo num contexto adverso para a regulamentação das diretrizes no estado, verificamos que as possibilidades de construção coletiva entre comunidade e escola, principalmente no que tange à gestão escolar, tem ambiente propício de germinação no âmbito da gestão da convivência. Ela parte da concretude do quilombo, ou
seja, das lógicas de interação e organização do território para a produção e reprodução da vida, da união e participação coletiva e do enfrentamento às lógicas de opressão e abre diálogo com a escola para compartilhamento de conhecimentos diferentes a ser sustentada pela convivência com a diferença, no enfrentamento das hierarquias de saber e de poder.







Agradecimento,
Agradeço o convite por estar aqui com vocês!
Agradeço, por compreender a constituição espiralar do Tempo, a tecnologia de circularidade dentre outros princípios e valores de organização e convivência em sociedade desenvolvidas e atualizadas por comunidades negras afrodiaspóricas,
Eu agradeço ao Infinito que tudo rege, inclusive à mim, às oportunidades que Ele me dá de reencontrar e aprender com pessoas generosas, como minhas Mestras Rosimeire Alves de Souza, por ela eu sigo agradecendo toda comunidade de Alegre por me acolher e me nutrir em crescimento,
e Dra. Cláudia Elizabete, por ela eu saúdo todas as minhas colegas e companheiras de pesquisa do programa Ações Afirmativas na UFMG, da Universidade de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UDH/UFMG) e da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte - CAPE/SMED-PBH.